O ano era 1994. Havia ocorrido os caras pintadas e a queda presidencial de Fernando Collor de Mello. Collor havia quebrado financeiramente a nação e ouve pânico, desespero, suicídios onde a mídia nunca se preocupou em contabilizar de fato quantas pessoas tiveram os seus negócios destruídos, famílias arrasadas. O País viveu o que entrou para a história como o melhor exemplo de como a economia jamais deve ser conduzida por um governante.

Eu tinha apenas 17 anos de idade. Os meus pais após o congelamento (confisco) do dinheiro pelo governo, se viram falidos, e foram obrigados a se mudar ha uma casa que fazia parte de um daqueles projetos habitacionais oferecidos pelo governo, em que se distribuia casas a população carente.

Éramos inspirados pela rebeldia das notas musicais da guitarra de Jimmy Hendrix e The Doors, de bandas punk! Desde os estilos Internacionais aos nacionais, como Legião Urbana e da sociedade Alternativa, criada Por Raul Seixas e Paulo Coelho. Éra-mos fascinados pela magia e pelo desconhecido. Crenças mistas de diferentes linhas espirituais que seguiam nossos pais, e que fazia de nossa roda de conversas serem muito interessantes. Éra-mos rebeldes e indomáveis, controversos a tudo que era repressão ou autoritarismo!

Em uma noite de sábado, eu e mais quatro amigos (4) nos econtramos, como todos os jovens adolescentes fazem normalmente, para fumar um pouco de erva e ouvir musica, conversar, tocar violão!
Enquanto andáva-mos naquela rua escura, fomos avistados, a uns 150 metros de distância, pelo farol de uma viatura Militar, que fazia ronda naquela área e de que vinha em nossa direção!”
Eu fui a única pessoa presente, que identificoua a viatura ao longe. Um dos amigos que portava a maconha, ‘uma pequena trouxa de umas 5 gramas’ era o que mais falava, sem observar de que o carro da policia se aproximava. Ele foi interrompido por mim desesperado:
–Despensa, despensa, esta vindo uma viatura, despensa!!!

Morava-mos no interior da Bahia. Terra das maconhas mais deliciosas e respeitadas do Brasil, de nomes históricos como: manga rosa, Rabo de raposa, Cabeça de nego, etc; Famosas strains (espécie) que comprava-mos pelas bocas da cidade. Totalmente natural, vendida solta, não eram prensadas como as de hoje em dia.

Porém, era um grande risco portar maconha, em uma época como a nossa, de intensa repressão contra os usuários, que nao causavam dano algum a sociedade, especialmente naquela Região (pobres,negros), onde muitos eram revistados pelas rondas policiais que aconteciam com frequência. Era sempre um risco grande portar maconha, mesmo a jovens menores de 18 anos.

O meu amigo, após ser avisado de que a viatura se aproximava, rapidamente jogou a maconha longe, numa distancia aleatória de onde estava-mos. Neste momento, estava-mos andando sob um campo de futebol de areia batida! A Viatura vinha em nossa direção com o giroflex (luz vermelha e branca que fica em cima dos carros da policia) e sirene ligados, freiou em nossa frente, abriram as portas saindo com armas empunhadas falavam:

— Todo mundo com a mão na cabeça e ninguém se mexe!

Na esperança de não perder a maconha de alcance, o nosso amigo dispensou muito proximo, numa distancia de uns 30 metros. Simplicidade, aliado ao medo de perder algo importante de que ele estava responsável!
Um dos policiais desconfiado, volta ao interior da viatura, retira algo que seria uma lanterna grande, de alta potência. Ele iluminou o campo de futebol em busca de encontrar o que o meu amigo havia dispensado, e andando alguns passos encontrou a prova do nosso crime, uma trouxinha com 5 gramas de maconha.
Os policiais declararam voz de prisão, e fomos colocados dentro da viatura apertada. A nossa inocência havia terminado ali, e o pesadelo estava apenas começando…

A perua do Chevete, que também era usada em Sao Paulo no ano de 1996 e que marca uma época na qual a PM queria afastar sua imagem do estigma da repressão, ja era usada pela PM da Bahia.

Fomos levados a delegacia de policia, e la ficamos sob interrogatório durante umas 2 horas. Um dos policiais nos chamava de um em um. Chegando em minha vez o Policial dizia que o grupo o havia me denunciado e agora eu precisava confirmar de quem era as 5 gramas. Uma tática antiga, que nos deixava angustiados, diante de um fato mentiroso, de colocar um contra o outro para obterem o que queriam, a confissão!

Eu disse que nao sabia de quem era as 5 gramas, “ja que os policiais encontraram no chao, a metros de distancia de onde estáva-mos!”

Mesmo diante da negação, fomos mantigos presos nesta noite em uma cela fria, onde era coberta por azulejos. 4 Adolescentes em cativeiro, onde o seu crime foi usar uma planta, uma erva maldita, abominada por uma sociedade cruel, hostil e perigosa. Era assim o meu pensamento, e a minha revolta crescia a cada respiração dentro daquele cubículo.

A minha preocupação era com a minha família, meus pais e irmaos. Eu que sempre fui muito cuidadoso em relação a nao levar dor de cabeça a minha casa, agora estava preso, o mundo havia caido sobre a minha cabeça e o que eu mais buscava era encontrar a paz dentro de mim, para reunir forças, pois ao amanhacer eu iria enfrentar os leões!

O sol raiou e ninguem dormiu. Os policiais começaram a chegar. Aos gritos de policiais, mais 2 presos sao empurrados para dentro da nossa cela; As grades abriam e fechavam, batendo as barras densas e frias contra a parede! Os criminosos, haviam sido detidos por furtar alguem com arma de fogo. Eram perigosos e estava-mos juntos a eles!

As horas eram infinitas dentro daquele calabouço medieval, e a minha esperança era de que seria-mos libertos quando o delegado chegasse. Porém, eu estava enganado! As grades se abriram, e um policial pediu que nós o seguíssemos ate a sala da delegada; Foi neste momento que pensei que teria-mos um julgamento mais humano por se tratar de ser uma mulher. Ao cruzar o corredor, vi a minha mae debruçada sobre a minha irmã com uma expressão terrivelmente deprimente, sem forças, a tristeza de ve-la daquela forma cortava meu coração como uma espada, indo ao encontro de minha inocência sobre os fatos! Ela nao me olhava. Passamos os 4 ate a sala da delegada. Ela era fria. Olhava-mos como pequenos futuros traficantes. Voiciferava as suas acusações de que as drogas eram ruins. De que nossos pais estavam sofrendo por nós estar-mos naquela situação, presos por porte de maconha. Ela Tentava nos convencer de que éra-mos réus de seu juízo. Foi ali que percebi a mão de Ferro do Estado Opressor!

Em seguida, a delegada disse que seria-mos levados a cadeia publica, que ficaria-mos ali ha disposição da justiça. Nao sabia-mos ao certo, porem mais tarde soubemos, de que a delegada havia pressionado psicologicamente nossos pais, dizendo que precisariam dar uma lição a nós, para que nao continuasse no mundo das drogas, pois correría-mos o risco de nos transformar em traficantes no futuro se fossemos soltos. Eu nao sei o que fez este acordo acontecer, talvez por medo e falta de informação, porem todos os pais dos 5 jovens concordaram com a delegada, que nos despachou para a cadeia publica de nossa cidade, no acordo de que ficássemos ali por 3 dias.

A sobrevivência numa prisão do Brasil, exige boa saúde, mental e física, imaginem no ano de 1994.

Cada dia que passava naquela cela era uma eternidade. A comida que chegava era da pior qualidade possível. Tinha cheiro de comida estragada. As nossas roupas fomos obrigados a jogar a cela que ficavam a nossa frente a pedido de uma facção que estavam presos a anos naquele local.

Um dos detentos chegou a mostrar uma escova de dente com o cabo afiado que chamavam de “Xuxa” em caso de nao cumprir-mos as ordens dos detentos rivais ele iria usar contra nos. Neste momento me vi totalmente possuído por uma força excomunal. Bradei a cela em que estavam os presidiários a frente e disse: A mesma disposição que vocês tem para me pegarem aqui dentro, eu tenho para pegar vocês la fora. E todos neste momento das celas começaram a me aplaudir e ordenar aos detentos que cumprissem com as minhas solicitações ou eles iriam se rebelar contra eles. Neste momento eu entendi que se eu demonstrasse medo eu seria destruído por eles. Éramos 6 pessoas no total em uma cela de 1 e meio por 3 metros. O Banheiro era no mesmo local, um buraco no chão e um cano para banho.

No terceiro dia o policial veio para nos soltar e nos levar para casa.
Cheguei arrasado em casa, mal conseguia entender o que havia acontecido. Porem tudo isso serviu para que hoje eu pudesse ser quem eu sou. E poder defender e ajudar outras pessoas que passaram ou que podem passar pelo mesmo problema que eu passei.

“Os cães Ladram, mais a caravana não para.”